A questão do sistema carcerário brasileiro é grave e complexa. Conforme dados do Conselho Nacional de Justiça, o Brasil tem hoje a terceira maior população carcerária do mundo – mais de 700 mil pessoas em privação de liberdade, atrás apenas dos Estados Unidos e China. Prisões em péssimas condições, superlotadas, desrespeito à dignidade humana são realidades do nosso sistema prisional. Apesar dos esforços das instituições públicas, o problema carcerário brasileiro se apresenta como um grande desafio e carece de uma solução definitiva em sua gestão. A percepção que se tem é a de que o medo, o preconceito, o jogo de interesses e a desinformação inviabilizam soluções.
Uma alternativa é a Associação de Proteção e Assistência aos Condenados – APAC – unidades prisionais geridas com base numa metodologia própria na qual os recuperandos (assim chamados os detentos) zelam pelo espaço onde vivem e se capacitam para o trabalho. Trata-se de um ambiente diferente de penitenciárias comuns, pois não há policiais, algemas e agentes armados, sendo um dos princípios fundamentais a confiança.
Um dos pilares da filosofia da APAC é o “recuperando ajudando o recuperando”, onde eles são protagonistas de sua recuperação e do bom convívio com seus companheiros. Através do Conselho de Sinceridade e Solidariedade (CSS), por eles organizado, avaliam a solução dos problemas cotidianos. Caso um recuperando cometa alguma “falta”, este conselho entra em ação representando os interesses de todos. O intuito é resolver 80% dos casos comportamentais e disciplinares dos detentos. Avaliam, tanto a instrução quanto a advertência/punição, para manter a ordem e a credibilidade da unidade. Os demais casos são levados ao conhecimento da presidência da APAC, que informa ao Juiz da vara de execução criminal da comarca, o qual pode determinar o retorno do indivíduo às penitenciárias (se for o caso). Em contrapartida, existe o reconhecimento pela boa conduta daqueles que se destacam, por exemplo, com a cela mais limpa e organizada entre outros.
O método empregado pela APAC visa socializar o ser humano, dando-lhe dignidade no cumprimento da pena, valorização humana, formação educacional e profissional exigidos pela Lei de Execuções Penais. A maior expressão de confiança do método se manifesta na entrega das chaves da APAC aos próprios recuperandos. Consequência disso, a sinceridade torna-se importante evidência da mudança de mentalidade e um critério de avaliação no cumprimento da pena. A metodologia objetiva mostrar ao homem seus direitos e suas obrigações com base em atitudes éticas exigindo dele o compromisso e o envolvimento para sua própria recuperação.
Ao longo de mais de sete anos em que o Minas pela Paz apoia as APACs houve um crescimento de 300% no número de unidades, que hoje somam 37 em Minas Gerais. É mister salientar a necessidade do envolvimento de empresas parceiras e um real engajamento da sociedade civil organizada para que este modelo continue a se multiplicar.
Enéas Melo – Gerente de Projetos do Minas Pela Paz