Nos corredores da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC) de Nova Lima ecoam vozes graves e afinadas que cantarolam canções de esperança. Quem conhece a realidade do sistema prisional brasileiro custa a acreditar que daquele “canto” ecoa um canto e que ele vem do regime fechado.
Em uma sala, homens bem vestidos se colocam perfilados diante de um maestro. Os olhares fixos a cada movimento e os ouvidos atentos a cada nota são fruto do esforço e dedicação do mestre, que os fez descobrir, por meio da música, um dos caminhos para a transformação de suas vidas.
O maestro, formado em música, chegou à APAC de Nova Lima em 2013 na mesma condição dos outros apenados, despersonalizado pelo cárcere, sem perspectiva de recomeço. Poderia ser apenas mais um a ficar alimentando o sofrimento dentro de si ou, simplesmente, encontrar novos motivos para viver. Ele ficou com a segunda opção. E, após confidenciar a um dos “irmãos” da APAC a sua trajetória profissional, foi levado à capela da unidade onde ficava um teclado. O reencontro cheio de saudade e emoção marcou o nascimento do coral Madrigal Liberatus e o renascimento da fé e da esperança.
A proposta era desafiadora, audaciosa e, ao mesmo tempo, encantadora. Seria possível transformar aqueles homens com uma história de vida marcada por tristes passagens em promissores coristas, mesmo sabendo que eles nunca tiveram um contato íntimo com a música?
A resposta para esta pergunta é: sim. Pouco a pouco os candidatos foram surgindo. E, com conhecimento, técnica e força de vontade, novos talentos foram descobertos e lapidados. O maestro não estava mais sozinho.
Ao longo do tempo, aquela que seria uma oficina lúdica para o desenvolvimento de habilidades como disciplina, concentração e socialização, se transformou em um objeto de contemplação e divulgação da metodologia APAC, demonstrando que todo homem é, realmente, maior do que seu erro.
Por meio das atividades, os recuperandos aprenderam sobre novas culturas, novos idiomas e novos valores. No encontro com a arte acontece o reencontro com a sensibilidade e, consequentemente, descobrem que o conhecimento liberta.
O coro dá voz ao recuperando. Seu canto marcante e sensível ultrapassou os muros da APAC e foi eternizado em um CD intitulado “Hinos da Liberdade”, lançado em agosto. Em breve, um novo CD será lançado em Belo Horizonte.
O sonho do maestro lançou luz sobre os homens escondidos atrás do delito, fazendo com que a sociedade os reconhecessem como pessoas capazes de levar alegria e emoção ao coração dos outros. Esse é o maior reconhecimento que se pode alcançar e o motivo que nos faz trabalhar diariamente pela promoção da cultura de paz, rompendo preconceitos e mudando paradigmas.
Por meio do Minas Pela Paz, temos contribuído para a criação de oportunidades e para o fortalecimento de inciativas como esta, que promovem valores positivos dentro das APACs. Assim, vemos o surgimento de novos “maestros”, que na figura de educadores, voluntários ou ex-recuperandos, tem inspirado e regido o novo caminhar dessas pessoas que estão em busca de um futuro melhor.
Maurílio Pedrosa, gestor do Minas Pela Paz